segunda-feira, 30 de abril de 2012

Inebriado pelo cinzento da madrugada chuvosa, encosto-me a um pilar da velha estação e cerrando as pálpebras, olho o monstro que parece inerte. Levanta-se uma rajada de vento que me fustiga, fazendo retrair-me um pouco no tremor daquele frio que me atinge de repente. Mas sinto algo mais que frio. Sinto que algo me pressiona o peito e tenta fugir de dentro, numa exalação involuntária, quase de prazer. Algo em mim vibra além do tremor, algo que me eriça a pele para além do frio. Sim, há algo em que mim que gosta do vento. Se calhar é verdade o que há muito me vêm dizendo e o Ar é o meu elemento; talvez seja a minha alma a exaltar-se, querendo reunir-se à matéria-prima com que foi moldada.

Embalado pelo sono acumulado de várias noites mal dormidas, imagino o que será ser Ar: sem jamais ser visto, notado apenas quando passa e esquecido quando quer ficar; aceite na suavidade das suas brisas, recebe retrações quando ousa afagos mais intensos. Oh, mas a minha alma já não é livre como o Ar! Ele não se importa de não ser visto! Ele não quer saber se o agraciam ou o repudiam! Ele ri-se de quem o tenta prender e ruge aos que se atravessam no seu caminho! Já eu...eu uivo em desespero surdo para que me vejam, para que me seja permitido ficar, para que me amparem...

Quem sabe um dia, no balanço das voltas da minha mente ensandecida, a minha alma crescerá num tornado e partirá à reconquista da sua liberdade. Pressinto-o próximo - o vento já começou a soprar forte, os muros a dar de si e não tarda a besta cravará as garras no chão para não ser arrastada. Ah, farei com que cedam! Nem que tenha que capturar fogo, terra e água na minha força! Tornado de fogo, tromba de água ou tempestade de areia, recuperarei o que outrora tão meu foi. Não, o que outrora Eu tanto fui!

O comboio que aguardava vocifera lá ao fundo finalmente. Com encontro aqui marcado com a besta que anseio destruir, mas ainda me mantém escravo, tenho que voltar antes do ocaso. As paragens são muitas, por isso correrei como o vento.