Olhei-te e ali estava ele. Era límpido, quase transparente, mas a luz que te vertia do sorriso e o banhava reflectia-se em cor que pintava o mundo. Era tão frágil e tu segurava-lo à vista de todos. Então tive medo. Tive medo que o riscassem, que o lascassem, que o quebrassem. Quis gritar "Louco! Corre e esconde-o ou o mundo irá partir-to!" Mas logo sofreei as rédeas ao impulso. E se me escutasses? Não, eu não podia perder a cor que projectavas na minha brancura. Jurei-me então protegê-lo. Envernizei-me de grandeza e valentia e coloquei-me de sentinela à espreita de demónios destruidores. Esqueci-me, contudo, embriagado no êxtase desse arco-íris que derramavas sobre mim, que a luz caminha a par da sombra; e havia noite cerrada em mim que a tua cor não iluminava. Ah, esqueci-me do demónio que eu também era!
As penas brancas que cresci, porque queria pegar-lhe sem riscar, tornaram-se garras e presas. Estas asas pervertidas investiram...e dor!! O que julgara cristal era afinal diamante. A fragilidade que tanto quis proteger nunca existira e foram os meus estilhaços a cobrir o chão quando ruí em loucura.
Vou-me colando nas sombras do meu mundo de neve e, tal como choro sobre as rachas que me vão cobrindo, sorrio pelo coração que não consegui destruir.